sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A renúncia da própria humanidade


Recentemente, passei a rever a antiga série de tv Além da Imaginação (Twilight Zone). Ontem, assisti ao 12º episódio da segunda temporada, "Dust", onde um homem é condenado à forca por ter atropelado e matado uma garotinha. As histórias acerca do velho oeste americano sempre nos mostraram a incomplacência dos homens que viveram naquela época e lugar, e aqui o caso não é diferente, como passarei a contar. O condenado de origem mexicana não teve sequer a chance de um julgamento, indo pra cadeia na mesma noite em que, após se sentir impotente diante da família que passa fome, vira goela abaixo sua última garrafa de uísque e sai desesperado em uma inconsolável cavalgada, provocando o acidente fatal. A execução fica então agendada para o dia seguinte.

E por mais lamentável que seja a morte de uma criança, pior é ver a avidez que os moradores da cidadezinha têm por mais sangue derramado, chegando com roupas de domingo pra ver o enforcamento. Carroças vão estacionando, trazendo famílias inteiras, e os pais orgulhosos por mostrarem os filhos, ainda na tenra idade, como é que se paga olho por olho, dente por dente.
Uma vida sendo tirada em público se torna uma atração sem igual, tanto para aquelas pessoas ignorantes desta história, como foi na idade antiga, ou na idade média, ou moderna, ou mesmo hoje. É sempre espantoso como o cumprimento de uma sentença de morte é atraente às massas.

Diante do povo excitado que aguarda a morte do homem, além de ter que se incomodar com um certo vendedor ambulante que perturba e caçoa o tempo todo do réu, o xerife, conhecendo de fato o que aconteceu, permanece de lado, soturno e melancólico, tentando cumprir seu dever da melhor forma possível. Ele sabia que foi um acidente, ele sabia que não havia intenção nenhuma de matar, que o homem já estava sofrendo o suficiente, mas o sistema determinava o que deveria ser feito, e contra a "lei" ele nada podia fazer.

Ao ver a imagem do ser humano à sua volta, retorcida pelo ódio e por vingança, clamando por mais um pescoço quebrado, o velho xerife solta a frase que me levou a escrever este post: "Em que dia mesmo Deus criou as pessoas? No sexto? Ele deveria ter parado no quinto!"

Desde quando nós passamos a nos estranhar tanto, a ponto de não nos reconhecermos mais como os seres feitos à imagem e semelhança do Altíssimo? Desde quando olhamos a crueldade do nosso semelhante e não nos identificamos mais com ele, a ponto até de acharmos que somos de uma outra raça? Desde quando começamos a pensar que somos diferentes, menos cruéis, mais "bonzinhos"... desde quando? Me parece que essa estranheza que sentimos, quando os nossos iguais se comportam como bestas-feras, já vem de muito tempo. Ela nos incomoda, e até nos faz questionar se Deus sabia que tudo isso iria acontecer, quando fez o homem.

Eu acho que sim, Ele sabia. E mesmo assim, preferiu evitar criar autômatos sem vontade e nos deu o privilégio da escolha. Assim, podemos evitar nos juntar a uma turba de criminosos, e corrermos para perto do Pai e seguimos seus conselhos. Isso não nos torna diferentes dos demais, nem menos pecadores, mas nos dá a chance de fazer as coisas de outro modo, do jeito que o Pai gosta. É bem melhor assim, do que preferir que as pessoas jamais fossem criadas... bem melhor do que renunciar à nossa própria humanidade.

Tudo de bem e de melhor pra vocês.

 
(Ah, eu não disse antes, mas o nome do episódio se refere a um certo pó mágico que o vendedor ambulante oferece ao pai do condenado para o salvar... bem, se não tivesse um elemento assim na história, não seria "Além da Imaginação", seria?)

3 comentários:

  1. Puxa! Essa série é absurda de boa. Preciso retoma-la. Ótima análise. Abs!

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  2. "Isso não nos torna diferentes dos demais, nem menos pecadores, mas nos dá a chance de fazer as coisas de outro modo, do jeito que o Pai gosta. " meio que define o que o evangelho é. Muito boa a série e o texto também.

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